Isis Broken fala sobre carreira, novo álbum, suas referências artísticas e explica todos os detalhes de “Ararinha da Viola”
No início deste mês, conversamos com a rapper sergipana Isis Broken que está se preparando para lançar seu primeiro álbum, intitulado “Bruxa Cangaceira“, com estreia prevista para o primeiro semestre deste ano. Vinda de uma família de músicos, tendo como principal inspiração seu avô que era um repentista, Isis deu seus primeiros passos na música quando ainda era adolescente, já criando algumas composições.
Em uma comemoração de uma das rádios mais antigas do Sergipe, em que seu tio era radialista, Isis se apresentou e pela primeira vez, sua família notou o seu dom de artista. Na conversa, a cantora explicou todos os significados por trás dos versos de “Ararinha da Viola“, contou todas suas principais referências no meio artísitico, a sensação de ter a produção “O Clã” vencendo melhor videoclipe do país pelo Festival de Cinema de Vitória e deu alguns spoilers sobre o álbum. Confira a entrevista completa:
Eu notei que você usa muita referência na sua música. Eu queria saber quais foram suas principais inspirações para explorar esse seu lado mais criativo, além dos cursos que você fez.
Então assim, é engraçado. Às vezes, as pessoas me perguntam mesmo ‘Ah, qual sua inspiração na música e tal’ e assim, eu acho que meu trabalho é muito vanguardista. Ele é muito novo, ele é muito único e eu realmente não olhei para um artista e tive uma inspiração. Então, minhas inspirações vêm mais da cultura popular sergipana. Sergipe é um estado que tem berço indígena a começar pelo nome, que é do Cacique Serigy, né. E esse cacique Serigy, ele era uma mulher e aí, ele teve que lutar em uma guerra e nesta luta, o Cacique Serigy arrancou os seios para transformar em um arco-flecha para poder lutar. Então, eu tenho muito do Cacique Serigy e ele tem muito de mim, nessas transformações e desses locais, né. Sergipe é um lugar de muita cultura popular. Ai, eu fui buscar nisso, eu fui beber nisso, cultura popular sergipiana.
No clipe de Ararinhada Viola, eu trago as taieiras, eu trago os parafusos de Lagarto… interessante a história dos parafusos de Lagarto, porque minha família de parte de pai é de Lagarto e esse é um grupo de um folguedo folclórico. A história é muito interessante porque nasce na senzala, da fuga dos escravos. Eles juntavam durante 6/7 anos, durante muitos anos, as anáguas das senhoras de engenho e depois disso, eles pegavam essas anáguas e colocavam uma em cima da outra, pintavam o rosto com uma pasta branca e durante a noite, eles fugiam para os quilombos e eles saiam girando. Por isso, o nome de parafusos. As pessoas tinham medo porque achavam que era uma sombração, uma aparição e aí desta forma, eles fugiam para os quilombos. E é um folguedo folclórico que está morrendo, o único grupo de parafusos do país é o de Lagarto e ele está resistindo a duras penas. Ai, eu quis trazer isso também, reavivar a memória dos parafusos de Lagarto que está morrendo. Também trouxe o jaraguá que foi usado para catequizar os índios, o jaraguá é aquela entidade que eu trago com a cabeça de cavalo. A gente retoma ele com uma nova visão, com um novo lugar, né… ele também é usado por brincantes. É muito significante trazer isso, porque meu avô também era um brincante, ele brincava de jarguá. Eu bebo dessas referências. Minha vida artística, meu som permeia muito dessas vivências, desses locais que minha família e eu vivemos.
Eu percebi que você fala bastante do seu avô, né? Inclusive, a música Ararinha da Viola é referência ao nome artístico dele. Vocês tinham uma relação muito próxima, não é? Ele acompanhou todo seu processo artístico?
Sim, sim! Ele não acompanhou todo, porque chegou a falecer um pouco antes, né. Mas, assim, eu sempre fui a neta favorita dele. Ele por ser um homem assim mais antigo, não que isso seja algo que justifique, mas ele nunca foi preconceituoso comigo, muito pelo contrário. Ele sempre me abraçou, mesmo sendo um homem muito antigo. Mas ele tinha a arte, a arte era algo que fazia com que ele fosse um cara mais, como posso dizer… sensível! Acho que a sensibilidade dele para a arte foi algo que me salvou. Meu avô sempre foi muito vanguardista também em tudo o que ele fazia. Então, ele sabia que eu tinha uma potência muito grande. Eu fui a última pessoa que ouviu um repente dele em vida, né. Ele chegou a falecer de complicações de alzheimer, então ele esquecia muito das coisas. E um dia antes dele ser internado, eu sentei com ele na cozinha, da casa da minha avó, e eu falei “Vô, me conta aquele poema que eu gostava que cê cantava quando eu era criança e tal”. Que era de um rapaz apaixonado por uma menina, mas ele não tinha grana e ele roubou uma flor de cemitério para dar a ela. Eu gostava muito dessas histórias e tal. Era quase meia noite. No meio do poema, ele esqueceu, começou a chorar e disse ‘Eu esqueci o poema’ e eu falei ‘Vô, não se preocupe, eu lembro do final do poema’. E até hoje eu não lembro do final desse poema, porque realmente eu ouvia quando era muito criança. Mas era como se eu estivesse falando assim: ‘Não se preocupe, eu vou escrever de alguma forma isso’. Logo quando ele faleceu, uns dois meses depois, eu tava no meu altar, onde tô aqui agora.. e aí, eu sou taróloga e nisso, eu estava tirando umas cartas e a primeira carta que eu virei foi a de Elegbara, e o Elegbara faz essa ponte entre mundo dos vivos e os mortos. E aí, veio o refrão da minha música [Ararinha da Viola]: “Elegbara, eleva o espírito e me renova. Sou a encarnação do Ararinha da Viola“. E aí, se eu te contar, assim, se eu lembro como escrevi essa música, eu não lembro… eu tenho certeza que essa música foi psicografada. Eu costumo falar que essa música não é minha, é do meu avô. E é uma loucura, porque assim, eu começo falando “Quase meia-noite faço embolada na matriz” e justamente, era quase meia-noite e a última vez que ouvi último o repente dele era quase meia-noite. Tudo era quase meia-noite. Eu lembrei dessas coisas que ele falava da matriz, do alto sertão, que era uma matriz mal-assombrada, com os espíritos dos escravos que a galera ouvia as correntes se arrastando no chão. Então, é uma música que fala muito sobre minha ancestralidade, muito sobre força. Ai, como eu falo que é uma música psicografada, ele tá me falando bem assim: “Eu tô realmente passando meu legado pra você, eu te aceito da forma que você é”. E ele me trouxe cangaceiros para essa música, trouxe Maria Bonita, Corisco, Dadá e a Sete Lágoa que é a minha cangaceira regente, de vida, e inclusive é um dos pontos chaves que eu adoro nessa música que ela fala: “Sete lagoas por favor traz o seu punhal mestre e por favor faça que dessa vez acerte”
Ainda dentro de Ararinha da Viola, a direção do clipe foi feita a distância. Queria que você me contasse como foram as gravações em meio a pandemia, com a direção a distância. Como funcionou?
A direção é de Letícia Pires que é uma diretora assim que eu sou apaixonada. A gente concorreu na premiação do Festival de Cinema de Vitória. Eu ganhei com Melhor Videoclipe Nacional, e a gente tava concorrendo, ela tava concorrendo com Gigantesca da Mariana [Volker]. Teve uma live que a gente falava sobre as inspirações, as ideias do clipe, foi com O Clã que eu estava concorrendo e ganhei. Terminou a live, ela me seguiu no Insta e ela falou “Olha, nós temos que trabalhar juntas” e eu falei “Vou cobrar”. Ela mora no Rio e eu aqui em Sergipe. Em uma dessas também, eu acabei conhecendo o Diretor de Arte de Gigantesca que é o Carlos Estranho que é também daqui de Sergipe, só que ele tava morando no Rio. Só que eu não sabia que ele tinha voltado do Rio e estava morando em Lagarto e aí nisso, ela me falou que ele tava por aqui e não sei… foi tudo muito se encaixando. Ai, eu chamei ela, falei ‘Miga, vamos fazer a direção de Ararinha da Viola’. Ai, foi muito novo, porque também foi a primeira direção dela a distância. Ninguém sabia mais ou menos como a gente iria fazer. Então, foi assim, um pouco antes do clipe, a gente fez umas reuniões e ela fez toda uma direção de corpo e posicionamento. Eu mandei vários vídeos pra ela cantando as partes chaves, assim, né tipo: “Cabra macho é o caralho, você me respeita”. Eu fiz uns cinco vídeos diferentes para mostrar a ela qual seria a cara. Toda vez que a gente ia para o set, porque assim todo set que a gente fez era totalmente distante, uma loucura, não tinha área [sinal]. Então, a gente fazia uma chamada de vídeo, antes de ir para o lugar, mostrava meu look, maquiagem e fazia todo esse esquema meio louco. Ai, ela aprovava ou não aprovava, falava ‘Não, mexe aqui, faz alguma coisa ali’. E quando chegava lá também, a gente precisava tirar foto do lugar, ai uma pessoa voltava de carro até um lugar onde tinha área e manda pra ela. Ela dizia ‘Ô quero neste poscionamento, quero essa camera aqui’. Ela também fez um pré-roteiro pro assistente de diretor de fotogorafia e ele ajudava, com tipo ‘Ô essa cena assim, agora essa cena do céu, agora essa cena dos detalhes da roupa’. Então, assim, foi uma coisa muito de construção de todo mundo e foi uma locoura. Todo mundo fez uma coisa no clipe, além do que deveria fazer. Eu assinei o roteiro do clipe, mas também fiz o look, eu também fiz direção de arte e produção. Quem fez direção de arte, também fez roupa. Quem fez fotografia, também fez o jaraguá, sabe? Era tipo assim… uma equipe muito reduzida, porque a gente tinha que reduzir. Então assim, todo mundo acabou fazendo tudo. Na hora que a gente foi sentar, tipo: “A, o que cada um vai fazer aqui nos créditos”. A gente não sabia o que fazer, porque todo mundo fez tudo nesse clipe. Foi um esforço coletivo que de muito certo. Graças a Deusa!
Foi uma adrenalina, né? Porque mandar vídeo para ela [Letícia Pires], aprovar e desaprovar coisa. Deve ter sido bem puxado! Mas assim, o resultado ficou íncrivel.
Foi uma loucura! Porque assim, a gente tinha pouca grana. Eu fiz um clipe com muita pouca grana, é bizarro [risos]. As pessoas vem me perguntar quanto foi o clipe e colocam 10 vezes mais do que gastei, e não foi. Então, assim, dá pra gente fazer uma coisa muito boa, com muito pouco dinheiro e pouco recurso. A gente tinha coisa que era emprestado e que tinha que devolver no outro dia. Ai, a gente só tinha aquele dia para fazer aquilo. Então, assim foi muito na marra, foi muito nas orações, se apegando tudo que a gente tinha. Realmente, foi uma galera que entrou pra somar e porque acredita no trabalho, não foi por grana não, porque se fosse, ninguém faria esse clipe não.
Já que você falou do O Clã, da premiação… queria saber como foi sua reação! Você esperava? Você estava concorrendo nomes consolidados na música.
Então… foi bem louco! Um dia antes, acho que foi um dia antes, a gente tinha feito essa live que eu falei para falar sobre os clipes. Ai, eu vi todos os outros clipes e tinha uma gente muito gigante na música. Então, falei: ‘Não vou ganhar, tenho certeza que nao vou ganhar’. Então, eu fiquei muito em paz. Ai, no dia da premiação, eu tinha ido para casa de uma amiga minha e deixei meu celular em casa, quando eu voltei, tipo tinha várias ligações. Ai, eu falei: “Quem foi que morreu? O que foi que aconteceu?”. E aí, tipo assim, meu assessor ligou pro meu irmão de 15 anos e meu irmão gritando: “VOCÊ GANHOU O MELHOR VIDEOCLIPE DO PAÍS”, eu fiquei tipo assim: “O QUE?”. Eu realmente não acreditava, eu comecei a chorar. Eu realmente nao acreditei quando eu vi que ganhei o melhor videoclipe do país, porque, enfim, é uma coisa muito louca, né? Eu nunca imaginei… assim, eu sabia que era um clipe gigante, que era um clipe muito bom, mas aponto de ganhar o melhor videoclipe do país… gente, isso é muito grande, isso é muito grande! E a gente tem uma síndrome de vira-latismo aqui em Sergipe, de achar que nossos trabalhos não são grandes, não são tão potentes e não vão romper essa bolha, né, que a gente não vai chegar em lugares… E esse prêmio não foi só importante pra mim, foi importante também para todos os outros artistas sergipanos, né, que tão nessa para pode acreditar em seu trabalho e se reafirmar como artista. E saber que, enfim, daqui de Sergipe não tem só Calcinha Preta, tem muitas outras coisas tão gigantes e tão potentes quanto. Então, acho que foi importante não só pra mim, mas como pra toda essa gama de artistas sergipanos. Depois do O Clã, eu percebi que os artistas sergipanos estão preocupados, um pouco mais, com clipes, estão mais voltados pra isso. Eu percebi que gerei um movimento, e é bem louco uma travesti preta, nordestina, ganhar o melhor videoclipe do país. Pra mim, é tão revolucinário quanto para a comunidade trans que é tão subjulgada. Então, assim, é muito importante ter esse prêmio, porque eu mostro e falo bem assim ô: “A crítica especializada está dizendo que meu trabalho é bom, que meu trabalho é algo que você tem que ouvir”. É muito importante isso, porque artistas trans são sempre subjulgadas e sempre jogadas a margem. Então, é isso! Esse é o poder do prêmio.
Indo para o novo álbum! Está chegando? Não sei…
Sim! Tá chegando [risos]
Estou ansiosa! Queria arrancar spoilers…
Eu também tô ansiosa! Novo álbum tá vindo, vai chegar no meio do ano. O álbum vai ser um grande divisor na minha carreira. Eu costumo falar que ele é um manifesto, trans artístico político, porque ele fala muito sobre a vivência de corpas trans, tavesti, transvestigeneres, no nordeste. Então, é muita essa visão do que essas travas, do que essas não binários, do que esses LGBT aqui do nordeste têm pra falar para o sudeste, pro centro-oeste e pro sul do país, porque a gente sempre tem uma visão de trans, tavesti, transvestigeneres do sul, né? É uma coisa muito suldestina, sudeste e centro-oeste. A gente nunca ouviu o que nossas corpas têm pra falar pra vocês, como é nossa vivência sobre o arquétipo do cabra macho, inclusive em Ararinha da Viola eu falo: “Cabra macho é o caralho, você me respeita”. Então, é um disco muito político, muito forte. Óbvio que vai ter músicas para dançar, vai ter música com a Mc Xuxú que é uma travesti que eu amo muito, sempre ouvi muito na minha adolescência, fez parte da minha adolescência… pronto!.. Uma artista que me inspira muito é a Mc Xuxú. Uma das primeiras músicas que eu escutei um LGBT fazendo foi “um beijo pras travesti” [parte da música “Um Beijo“]que até tocou no BBB na festa do Gil [participante do reality]. Então, assim, foi a primeira travesti que eu vi na televisão fazendo música, eu pensei: “Puts, eu também posso!”. Então, é muito importante representatividade por conta disso, né? Enfim, eu também tava em casa vendo ela no Esquenta num programa da Globo, domingo a tarde, e eu falando “tem uma travesti que canta e as pessoas estão ouvindo isso”. Enfim, Xuxú sempre foi uma referência muito grande e aí, a gente se tornou amiga nesse negócio. É muito louco! Porque toda a pessoa que ouvia que eu era muito fã se tornou amiga e Xuxú é uma delas. Ai, eu convidei ela pro álbum.. a gente vai fazer um funk-rock que assim… é o maior spoiler que eu posso dar, um funk-rock que é uma coisa assim… louca!
Uau, eu tô animada! Eu estou muito animada…
Tenho certeza que vocês vão amar. Tem músicas que eu busco minhas referências no cangaço, né? Que é uma música que eu gosto muito é “Meu Cangaçeiro” que eu compôs justamente da leitura de um cordel. Aliás, eu tenho duas músicas que foram de leitura de cordel, mas “Meu Cangaçeiro” teve uma visão artística, estética de ser do tipo um cordel e ela conta a história do amor de um cangaçeiro e tal. Então, é muito desse lugar. Deixa eu ver mais o que eu posso falar… a intro do álbum se chama “Mate um Deus Morto” que é uma frase do Nietzsche, então eu já começo questionando a política do país e todas essas forças de opressão desse Deus que todo ano a galera insiste em ressuscitar, como um aseio desesperado de ter uma redenção por ter matado… porque quem matou o Deus morto foram os próprios religiosos e eles mesmos ressucitam, né? Todo ano esse Deus. Então, é um esforço repetitivo de ter essa redenção. Tem muita coisa boa, tem a BoomBeat também que é maravilhosa… acho que é só isso que a gente pode falar até agora.
Então, só vamos ter duas parcerias, é isso?
Não, não! Tem outras parcerias também no álbum… mas eu não posso falar pra não estragar tanto a surpresa, mas eu posso confirmar Xuxú e a BoomBeat que recentemente se descobriu travesti também… mais uma para o nosso clã de travecas na música! BoomBeat é um amiga que eu amo muito que eu ouvia também muito. É muito lindo esse movimento da música que a gente está vivendo agora. Enfim, tem parcerias incríveis, tem umas 4 ou 5, não me recordo muito bem, mas são são parcerias boas. Muito chique! Esperem o álbum do ano, de rap do ano, com toda a falsa modéstia.
Você falou que o álbum tratará temas políticos e suas origens. Então, Ararinha da Viola foi um ótimo jeito de introduzir, não é? Já que é uma música que traz vários dos assuntos que você mencionou
Eu escolhi a Ararinha da Viola pra ser carro-chefe de abertura porque é uma música que mostrava meu lado mais sensível, meu lado humano, meu lado tipo assim: eu tenho uma família, pessoas trans têm uma família, têm uma vida e são seres humanos. Foi muito para mostrar meu lugar de humana, né? De sensibilidade mesmo… para mostrar tipo assim: “Atrás de um artista tem um humano”. É como se começasse com um banho de cheiro, sabe? Pra depois vir com a pancada. Como eu disse, é um álbum manifesto trans político. Ele é um manifesto, é literalemente, um manifesto. É um grito. Eu que acho que quando a gente faz o nosso primeiro álbum, por isso ele demorou tanto, a gente precisa que seja um grito, que ele seja algo completamente visceral. É disso que imagino dos primeiros álbuns dos artistas que eu gosto, dos artistas que eu gosto… tipo, o “Macumba” do Johnny Hooker, é album muito visceral.. parece que ele tá gritando assim, arranhando, abrindo a garganta e o Bruxa Cangaceira vem desse lugar. Eu ouvi muito Hooker, ele também é nordestino, pernambucano, né? De composição, ele foi uma grande inspiração pra mim. Esse álbum permeia muitas coisas pra mim, coisas que talvez eu não teria coragem de falar se não fosse a força de Isis Broken, porque ele bebe de um lugar que eu vivi minha vida inteira e que eu quero que as pessoas ouçam. Bruxa Cangaceira é uma alegoria, óbvio que existiram bruxas dentros do cangaço também, mas a bruxaria eu uso como uma alegoria para corpas trans. Travestis também são como que nem essas bruxas cangaceiras, elas vivem na noite, elas vivem suas tocas, vivem em seus guetos… também foram postas em fogueiras. É que nem a Geni ela era perseguida… joga pedra, joga bosta e a Geni era uma travesti. Quando a Geni passou a ser o grande centro ali, de salvar aquela cidade, as pessoas começaram a oferecer a mão, oferecer dinheiro e tratar a Geni com carinha. Mas depois que Geni não servia mais, ela voltou a ser marginalizada. Então, é justamente desses lugares que são colocadas as corpas trans que eu quero começar a contestar nesse álbum. Então, é um álbum de muitas alegorias e de muita coisa assim, que a gente precisa falar e discutir. Mas também é álbum divertido de pop, rap, funk, rock… é álbum muito, muito diverto, mas também com uma verte política de manifesto muito forte, muito potente. Então, é por isso que eu costumo falar que tem quer ser o álbum de rap do ano. Ele tem tantas potências, ele vai para tantos lugares que é díficil a gente botar ele dentro de uma caixa, porque ele é tipo a caixa de pandora. Quando você abre ele, você vai descobrindo várias outras coisas. É engraçado que eu também que eu acabo descobrindo coisas. Eu ainda escuto Ararinha da Viola e fico tipo: “Que coisa foda isso aqui! Acabei de descobrir isso aqui que eu nem tinha descoberto ainda”. É interessante o retorno do público também, eles também vão buscar essas referências. Eu gosto muito dessa troca com o meu clã.
Na última sexta-feira, Isis Broken lançou o remix da canção “Ararinha da Viola“, em parceria com o Mombin. Você pode conferir abaixo:
Escritora, jornalista e apaixonada por música.
Isis Broken
3 anos agoQueria agradecer por demais, entrevista linda! Bruxas tem seu próprio clã ????
Isis Broken, A Suprema